A redoma de vidro — Sylvia Plath

Arthur Dantas Silva
2 min readNov 20, 2024

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Eu preciso confessar que, sabendo da vida da autora e de como sua obra poética é influenciada por isso, eu imaginei que esse livro iria me atingir muito profundamente, no sentido emocional mesmo. Mas não foi isso que aconteceu e isso é um ponto muito positivo, porque evidencia que Sylvia Plath fugiu do óbvio ao construir uma personagem — com traços autobiográfico — que possivelmente sentia o mesmo que ela.

Esther é uma estudante de Inglês em uma faculdade feminina. Criada nos subúrbios, ela se muda para Nova York em busca de uma vida mais cheia de significados do que tinha onde nasceu. Trabalha em uma revista feminina, focada em lifestyle feminino, segundo a sociedade terrivelmente machista da época previa.

Ela se envolve com as colegas de pensão, faculdade e trabalho e experimenta versões da vida que nunca imaginou.

Se envolve com alguns rapazes, um deles inclusive sendo “prometido” a ela como futuro marido.

Durante as férias, depois de um encontro desastroso, ela volta à casa dos pais e é acometida por uma depressão que parecia a espreita.

É aqui que a narrativa me surpreendeu.

Uma vez eu li que a depressão só pode ser descrita e explicada por meio de metáforas, e isso possibilita uma empatia absurda.

Mas Sylvia Plath faz algo diferente. Ela escolhe dar um tom bem seco a respeito dos sofrimentos de Esther. Quem já conviveu ou convive com depressão, sabe que uma das principais características não é a tristeza e a melancolia, mas a apatia a respeito da vida. Eu costumo dizer, como uma pessoa que vive com depressão, que é como comer sem sentir gosto. Você come porque precisa, mas a comida não tem sabor, o ato mecânico de mastigar e engolir é exaustivo e nem a sensação de que você está nutrindo seu corpo com o que ele precisa faz valer a pena.

E é assim que Sylvia escreve toda a depressão de Esther: com uma percepção seca, desprovida de doses excessivas de emoção, porque é assim que a personagem vive.

Isso mostra uma sutileza narrativa tão absurda que me surpreendeu, porque poucos autores optariam por escrever essas questões dessa forma.

No fim, é bem mais fácil criar empatia por Esther, porque vemos o mundo como ela vê: sem substância, pouco sentido e sentimentos quase impossíveis de processar

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Arthur Dantas Silva
Arthur Dantas Silva

Written by Arthur Dantas Silva

Professor Mestre em Literatura pela UFRN. Leciono na rede estadual de ensino do RN.

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